O primeiro governo Dilma deu
passos significativos na construção de uma nova estratégica de
desenvolvimento para o país. Tomou medidas na área da política econômica
que provocou urticaria no capital financeiro e seus representantes.
Reside aí o motivo do incessante ataque a área econômica do governo.
Durante a campanha eleitoral, a Presidenta Dilma reafirmou seu
compromisso com o emprego e a renda dos trabalhadores e não assumiu
nenhum dos compromissos que o mercado financeiro tentou lhe impor.
Todavia, o tema da Reforma Política foi ocupando o centro do palco da
política brasileira, colocando na ordem do dia a premente necessidade e
possibilidade de sua realização. A nova situação política exige uma
trégua no front econômico e a concentração das melhores energias na
realização das reformas democráticas.
Primeiro governo Dilma e o esboço de uma nova estratégia de desenvolvimentoDurante
os oito anos de governo do presidente Lula o povo brasileiro,
especialmente os mais pobres e os trabalhadores com baixa qualificação
profissional, conquistaram políticas públicas que levaram estes setores à
compreensão da dimensão transformadora das medidas adotadas. Os ganhos
reais do salário mínimo, as políticas de transferência de renda, a
expansão do crédito à classe trabalhadora, a política habitacional e a
expansão do acesso ao ensino superior formam o coração dos avanços
ocorridos de 2003 a 2010.
Sobre este alicerce e com um povo mais
altivo e menos vulnerável às investidas ideológicas do bloco
conservador, a Presidenta Dilma deu passos adiante. Ainda que não
tenhamos uma maior clareza do caminho a ser percorrido para superarmos o
modelo neoliberal, – aliás, esta clareza brota do próprio embate
político - medidas de alta relevância foram tomadas pelo governo.
O
BNDES que vinha aumentando seus desembolsos desde a eclosão da crise
econômica internacional em 2008 manteve a trajetória e bateu novo
recorde em 2013, passando a reduzir os desembolsos em 2014, sem,
contudo, abandonar os altos níveis. Em 2006, os desembolsos totalizaram
R$ 52,3 bilhões, em 2010 foram de R$ 168,4 bilhões, chegou a R$ 190,4
bilhões em 2013, e fecharam o primeiro semestre de 2014 em R$ 84,1
bilhões [1]. Essa política de significativa participação do BNDES no
investimento total do país, é fundamental para sustentar a demanda
agregada e assim diminuir os impactos da crise sobre o Brasil.
Segundo
o Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a participação do Banco na
Formação Bruta de Capital Fixo em 2010 foi de 25,6% e o desembolso no
mesmo ano foi de 14,6% [2]. Um resultado que comprova a correção da
política do Banco.
Para o capital financeiro, contudo, a ação do
BNDES é tratada como uma deformação. Argumentam que o BNDES retira
espaço do mercado de capitais.
Entretanto, o sistema bancário
brasileiro tem pouca disposição de emprestar a longo prazo impedindo que
projetos com maior prazo de maturação possam ser executados. Mas, o que
mais incomoda o capital financeiro é que o BNDES empresta com taxa de
juros bem abaixo do mercado, o que lhes retira poder de pressão sobre os
empresários do setor produtivo. A taxa de juros de longo prazo do
BNDES, referência básica para empréstimos, está em 5% a.a. deste inicio
de 2013, enquanto a SELIC está atualmente em 11,25% a.a. Ademais, ao
terem acesso aos empréstimos via BNDES, as empresas brasileiras também
ficam menos expostas ao capital financeiro internacional.
A
política de conteúdo local para as compras da Petrobras aprofundada no
governo Dilma é igualmente um corajoso passo para impulsionar a
indústria nacional. Segundo os dados do governo, os postos de trabalho
na indústria naval saltaram de 8 mil em 2003 para 80 mil em 2014 e deve
chegar a 100 mil em 2017 [3]. Outros benefícios desta política é o
estímulo à inovação tecnológica, a qualificação de mão de obra e a
formação de encadeamentos produtivos novos. Para os liberais esta
política é um protecionismo que retira competitividade da indústria
brasileira por não ser exposta à competição internacional. Entretanto, o
resulto é o inverso. O Brasil passará a competir internacionalmente em
novos setores como a própria indústria naval. A experiência brasileira
da década de 1990 de abertura comercial indiscriminada demonstra que o
argumento liberal não se sustenta, uma vez que a indústria brasileira se
enfraqueceu no período [4].
O programa de regulação do mercado
cambial iniciada pelo BC em meados de 2013 e ainda em vigor também toca
fundo nos interesses do capital financeiro. O programa tem o objetivo de
diminuir a volatilidade da taxa câmbio, o que contribui por um lado
para um melhor controle da taxa de inflação e por outro favorece a
previsibilidade do valor da moeda local para os exportadores. Tão
importante quanto uma taxa de câmbio de “equilíbrio industrial”5, é a
sua manutenção neste patamar para que o setor produtivo possa contar com
o tempo necessário para responder produzindo mais para exportar. Este
também é o mecanismo, dada a atual correlação de forças, que permite ao
país enfrentar a guerra cambial desencadeada pelo FED.
Uma das
minas de ouro exploradas pelo capital financeiro, contudo, são as
operações no mercado de câmbio. Os especuladores ganham dinheiro com as
flutuações das taxas de câmbio, comprando e vendendo moeda entre os
países. Mesmo longe de significar um controle rigoroso do fluxo de
capitais, o programa do BC afeta os interesses dos rentistas.
Outra
corajosa medida em que o governo enfrentou abertamente os interesses de
grandes oligopólios mundiais foi a aprovação no novo marco regulatório
para a exploração do petróleo, instituindo o regime de partilha, em
2010, mas que foi efetivamente conduzido no governo da Presidenta Dilma.
O ponto alto da nova legislação foi o leilão do campo de Libra em 2013.
O regime de partilha garantiu que no leilão do maior campo de petróleo
do Brasil cerca de 80% dos recursos ficassem em poder do Brasil,
incluindo Estado e Petrobras. Ainda hoje, o bloco conservador tenta
reverter o marco regulatório para abrir espaço para entrada de
multinacionais na exploração do pré-sal em condições mais vantajosas a
estas, o que em parte explica a sistemática campanha realizada contra a
Petrobras.
A criação em julho deste ano em Fortaleza do Banco de
Desenvolvimento dos BRICS e do Acordo Contingente de Reservas demonstra
uma disposição dos países envolvidos em aprofundar seus laços e as ações
conjuntas no cenário internacional. Incialmente o Banco terá um capital
de 100 bilhões de dólares para projetos de investimentos em países
emergentes. O Acordo Contingente de Reservas será um fundo destinado a
ajudar países com dificuldades em seus Balanços de Pagamentos. A grande
novidade é a formação de um polo alternativo ao FMI e ao Banco Mundial,
as duas principais instituições difusoras das políticas favoráveis à
livre movimentação do capital financeiro pelo globo. A consolidação
deste Banco poderá significar uma alteração profunda nas relações
mundiais de poder. Durante a recente reunião do G-20 na Austrália, a
Presidenta Dilma reafirmou a importância da iniciativa dos BRICS,
especialmente neste momento de receio sobre a recuperação econômica
mundial.
Outras medidas adotadas pelo governo para reduzir o
impacto da crise sobre o Brasil foram os pacotes de desonerações
tributárias. Em primeiro lugar não é pertinente a afirmação de que as
medidas fracassaram, uma vez que mesmo envolto em um furacão o Brasil
conseguiu manter o desemprego em patamares historicamente baixos. Em
segundo lugar, e mais importante, o motivo pelo qual o governo sofre
duras críticas nesta área por parte dos conservadores é devido à
diminuição do superávit primário, ou seja, diminuição da transferência
de recursos da população para o setor financeiro.
Em sua primeira
reunião no atual governo, o Comitê de Política Monetária (COPOM) subiu a
meta da taxa básica de juros da economia, a SELIC, de 10,75% a.a. para
11,25% a.a.. A SELIC chegou a 12,5% em julho de 2011 e a partir daí
começou uma queda histórica. A Presidenta Dilma assumiu a
responsabilidade política de reduzir a taxa básica de juros a níveis
mais civilizados. O ciclo de queda durou até março de 2013 com a SELIC
em 7,5% a.a., sob fogo serrado do bloco de oposição bradando o risco de
descontrole da inflação. Desde então, a SELIC voltou a subir e está
atualmente no mesmo patamar do início do governo Dilma, 11,25%. A
reversão da tendência de queda é explicada por diversos fatores entre
eles a forte pressão exercida pelo capital financeiro por meio da
imprensa alinhada com seus interesses dentro e fora do país sobre o
governo brasileiro. Contudo, a trajetória de redução da SELIC por quase
dois anos é sintomático da busca de uma estratégia de desenvolvimento
com centralidade na ampliação investimento.
Em conjunto com a
redução da SELIC, o governo reforçou o papel dos bancos públicos, Banco
do Brasil e Caixa Econômica, como forma de pressionar os bancos privados
a reduzirem suas tarifas e pacotes para assim baratear o crédito. O BB
chegou a cortar 34% em suas tarifas e a Caixa em 25%. As “leis
coercitivas da concorrência” foram utilizadas para o interesse público.
Resta
citar o enorme pacote de concessão na área de logística disparado pelo
governo federal. Somente o esforço de construir complexos contratos,
firmar parcerias com a iniciativa privada e atrair recursos para as
obras já são por si um feito louvável, após o Brasil ter passado duas
décadas sem realizar projetos desta envergadura. A infraestrutura
brasileira é o principal polo de demanda de investimentos na economia
brasileira da atualidade. O processo de maturação destes investimentos
significará a abertura de um novo ciclo de crescimento do país. Mais
adiante, detalharemos as cifras envolvidas.
A realização das
parcerias via concessão reforça por sua vez que o Estado brasileiro não
está subserviente aos interesses do capital privado. Na concessão não há
transferência de propriedade de ativos públicos para o capital privado,
não há, portanto concentração de riqueza realizada pelas mãos do
Estado.
O quadro pintado acima buscar demonstrar que em matéria
de enfrentamento ao capital financeiro e aos oligopólios internacionais
do petróleo; na defesa dos interesses nacionais; na construção de uma
contra hegemonia na geopolítica mundial; e na busca por um caminho de
fortalecimento do investimento e da Indústria nacional, o primeiro
governo Dilma foi, sem a menor sombra de dúvidas, um governo corajoso.
Hoje estamos mais perto de uma estratégia de desenvolvimento
autenticamente nacional.
Não é por menos que um dos principais
jornalistas econômicos do país, em sintonia com o pensamento neoliberal,
afirmou que o governo Dilma rompeu o consenso em vigor a quase trinta
anos de como conduzir a economia brasileira. Ele diz que:
“sob
Dilma, o governo fez intervenções no sistema de preços, acabou com a
autonomia do BC, abandonou a disciplina fiscal, administrou o câmbio,
ergueu barreiras à entrada de capitais, aumentou o grau de proteção da
economia, interveio na gestão de empresas privadas, tolerou inflação
alta, reduziu juros na marra (para depois ter que aumentá-los a um nível
maior que o encontrado em 2011), impôs política de conteúdo nacional
etc.” [6]
Como se vê, o governo da Presidenta Dilma incomodou profundamente os crentes no Mercado como Deus Ex Machina.
A
campanha presidencial, contudo, trouxe musculatura para outros temas,
notadamente a reforma política e a democratização dos meios de
comunicação. É preciso, portanto, tirar lições da nova conjuntura
política que emergiu nestas eleições e em seguida buscar compreender
qual é a relação entre as novas batalhas que se apresentam e as batalhas
na área econômica.
2014: A eleição que a Esquerda não tinha o “direito” de vencerTodos
os mecanismos possíveis para derrotar a presidenta Dilma foram
utilizados nos últimos anos pelo bloco de oposição: as condenações
ilegais da ação penal 470, a prisão de José Dirceu e José Genuíno no dia
da Proclamação da República, a campanha pelo fracasso da Copa do Mundo,
a instrumentalização das manifestações de junho de 2103, a campanha na
imprensa internacional contra o governo, o discurso do descontrole da
inflação, os ataques à Petrobras, o vazamento de informações da delação
premiada, a capa da Veja na última semana da campanha eleitoral e o
boato no dia do segundo turno de que o doleiro malfeitor estaria morto.
Certamente esta lista não inclui todos os capítulos da bárbara campanha
conservadora que presenciamos nos últimos anos.
O nível do
acirramento político alcançado nesta campanha só encontra paralelo na
História republicana brasileira no segundo governo Vargas e no governo
João Goulart. No primeiro caso, Getúlio foi levado ao suicídio, no
segundo houve o golpe militar. A reeleição de Dilma é, portanto, um
grande feito. Com a possibilidade do retorno do ex-presidente Lula em
2018, o bloco conservador se encontra diante do cenário de permanecer,
no mínimo, mais oito anos fora do poder central do país.
Por
isso não podem permitir o sucesso do segundo governo Dilma e, assim, se
abraçam ao golpismo. Antes da eleição presidencial de 1955, Carlos
Lacerda afirmava que "JK não pode ser candidato; se for candidato, não
pode ser eleito; se for eleito, não pode tomar posse; se tomar posse não
pode governar". A postura atual da chapa do PSDB derrotada nestas
eleições comprova a linhagem à qual pertencem, ao desrespeito à vontade
popular e gosto pelo golpismo.
É na luta política que as classes e
os setores sociais se tornam sujeitos ativos da História, eles não
existem em estado puro na sociedade. Quando o acirramento se eleva, a
arena política se expande e novos setores passam a compô-la, os
vacilantes tomam lado, os aliados voláteis podem se aproximar mais ou se
afastarem por completo e a força dirigente do campo adversário fica
mais nítida. Foi assim nesta campanha eleitoral.
A Política
invadiu os lares brasileiros nos últimos meses como não se viu em
eleições passadas. Difícil não pensar que esta eleição deixará o legado
de uma sociedade mais politizada. Um conjunto de artistas, que não
viveram sua juventude durante a Ditadura Militar, declararam seu apoio à
Presidenta Dilma. Podemos citar Tiê, Tulipa Ruiz, Emicida, Flávio
Renegado, Otto, os integrantes do Nação Zumbi, Rappin’ Hood, Zeca
Baleiro, Gregória Duvivier (apoiou Dilma somente no segundo turno) e
certamente muitos outros espalhados pelo Brasil. Destaque também para a
cantora Valesca Popozuda que não apoiou Dilma, mas tomou partido e
apoiou a candidata Luciana Genro. Todos estes, conectados com a
Modernidade estética e cultural brasileira. Nos grandes centros, muitos
dos setores médios e universitários que estão organizados em torno do
tema do “Direito à Cidade” se tornaram peças importantes na arrancada
final da campanha Dilma Presidenta.
A energia das manifestações
culturais oriundas das periferias das grandes cidades nos últimos anos,
com o Rap e o Funk à frente, talvez seja a maior novidade estética
trazida pelo processo de ascensão social das classes populares vivido
pelo Brasil desde 2003. Portanto, o apoio recebido por Dilma dos
artistas desta vertente é mais que o apoio de indivíduos, simboliza a
possibilidade de uma ofensiva da Esquerda no campo de disputa pela
hegemonia cultural na sociedade, da qual a Esquerda está em desvantagem
desde os anos 1990.
Por outro lado, as denominações religiosas
neopentecostais, em boa medida, se tornaram um braço mais orgânico do
bloco conservador, com expoentes como os pastores Marco Feliciano e
Silas Malafaia. As posições políticas de setores das classes médias
tradicionais e das classes dominantes tomaram a forma de mobilizações de
rua, elemento novo nestas eleições pela dimensão em que aconteceu. As
posições reacionárias contribuíram para explicitar os verdadeiros pontos
de conflitos entre as classes sociais brasileiras. Contribuíram também
na conquista de aliados para a Esquerda.
Esta campanha, por
consequência, revigorou um conceito que andava meio empalidecido nos
últimos anos, o conceito de Militância Política. Especialmente no
segundo turno, o componente militante da campanha de Dilma foi ganhando
destaque com as centenas de atos que foram realizados em todo o país. A
importância da conquista de cada voto branco, nulo, indeciso, de quem
votou em outros candidatos no primeiro turno e a necessidade de manter a
ofensiva política diante das tentativas de golpe da imprensa
conservadora encontrou na militância política seu indispensável lastro
de massa.
Os limites da nossa Democracia foram testados nestas
eleições. Nunca havia ficado tão claro o papel desestabilizador possuído
pelos oligopólios privados de comunicação e, mais ainda, sua relação
simbiótica com os partidos de oposição e com o capital financeiro, que
em conjunto conformam o núcleo do bloco de oposição. É exatamente por
isso que o tema da democratização da comunicação conquistou um novo
patamar de relevância para o aprofundamento de nosso regime democrático.
Outra
semelhança entre o bloco de oposição e o “Lacerdismo” é a exploração
para além de qualquer limite do tema da corrupção. Palavras como
“Esquerda”, “PT”, “Lula”, “Dilma” receberam nos últimos anos a tentativa
de lhes imputar um único significado: Corruptos. Expoentes da
Restauração voltaram a falar em fim do PT.
Os vasos comunicantes
entre o dinheiro público e o caixa de grandes empresas, frutos do
caráter corruptor do nosso sistema eleitoral, e dos quais a Direita
sempre se serviu, foram transformados em obras dos governos Lula e
Dilma.
Esta tática da Direita retirou qualquer sombra de dúvidas
nos setores democráticos da sociedade brasileira da urgência da Reforma
Política. Ficou demonstrado que a continuidade do projeto transformador
em curso no Brasil e seu aprofundamento dependerão de desembaraçarmos
nosso sistema político de todos os obstáculos para a legítima
manifestação da vontade popular.
A Reforma Política ocupa
atualmente o centro do palco das questões estratégicas em debate no
país, nenhuma força política pode levar a frente a sua ação
desconsiderando o tema. Este é o mais notório resultado do elevado
acirramento político vivido pelo país durante esta campanha eleitoral.
As duas dimensões da Reforma PolíticaO
tema da reforma política deve ser encarado em duas dimensões, a
primeira é o mérito da nova legislação e a segunda é o potencial de
formação de um amplo bloco social de Esquerda na sociedade brasileira.
Tomamos como referência, a proposta de Reforma Política elaborada pela
Coalizão Democrática composta pela OAB, UNE, CNBB e mais de cem outra
entidades [7]. Esta é proposta concreta construída de forma mais ampla
até o presente momento e que se propõe desde já a apresentar um conteúdo
determinado a ser debatido com a sociedade.
Na primeira
dimensão, a do mérito, demolir a principal fonte de corrupção do país é o
dever inarredável de uma reforma política democrática. Por fim aos
canais ilegais de comunicação entre o dinheiro público e empresas é um
passo necessário para a constituição de um novo padrão de relacionamento
entre o Estado e a iniciativa privada. Não há outro mecanismo para
atingir este objetivo a não ser o fim do financiamento de campanhas
eleitorais feitos por empresas privadas.
Ainda sobre o mérito da
reforma, a formação de alianças nas disputas majoritárias que se
norteiem por convergências em torno de um programa político
compartilhado e assim diminuindo as alianças casuísticas, também compõe
os objetivos centrais a serem alcançados por uma reforma política
democrática. Para alcançar este efeito, a reforma deve tocar no tema
para o qual a formação de alianças é decisiva, o tempo da propaganda
eleitoral na TV e no Rádio. O mecanismo é extinguir a soma do tempo de
cada partido para a totalização do tempo do candidato da coligação. O
tempo do candidato seria igual ao tempo do maior partido da coligação
somado ao tempo distribuído igualmente entre os candidatos em disputa.
A
valorização dos partidos programáticos, ou seja, aqueles que têm sua
ação política orientada por um projeto de sociedade democraticamente
construído entre seus membros, é outro aspecto na dimensão do mérito da
reforma. Por meio do voto em lista em dois turnos nas eleições
proporcionais este objetivo pode ser atingido. No primeiro turno a
votação não será em pessoais, mas sim nos partidos ou coligações. Deste
modo, a opinião dos partidos sobre os temas de interesse das diferentes
classes sociais que compõem a sociedade estará em primeiro plano.
No
segundo turno, os eleitores escolheram os candidatos a partir de uma
lista preordenada com paridade e alternância de gênero. A lista
preordenada traz também a vantagem, entre outras, de o eleitor saber
quais candidatos de um determinado partido tem maior probabilidade de
serem eleitos.
A formação de um amplo bloco político de Esquerda
envolvendo setores diversos, entidades e partidos é uma necessidade que a
acirrada disputa política, presenciada durante a campanha eleitoral
deste ano, não nos permite que fechemos os olhos para ela. A reforma
política democrática contém este potencial.
Esta é sua segunda
dimensão. Esta dimensão, naturalmente é consequência da primeira,
entretanto, toma vida própria por ter a condição de gerar profundas
mudanças na cultura política brasileira.
Com o fim das doações
milionárias aos candidatos realizadas pelas empresas privadas e o maior
peso da opinião dos partidos nas disputas eleitorais, o êxito das
campanhas dependerá mais da inserção de candidatos e partidos entre as
camadas do povo brasileiro e menos dos espetáculos de marketing que
presenciamos atualmente. A longo prazo, poderão ser beneficiados os
partidos que agem para ampliar sua inserção social e enfraquecidos os
partidos que agem com apêndices do Estado, sem lastro social.
O
mesmo conjunto de medidas descrito acima possibilitaria a ampliação do
peso relativo dos movimentos sociais politicamente organizados na
definição das batalhas eleitorais. Este é um aspecto extremamente
relevante, visto que pode levar a ter uma sociedade mais politicamente
organizada, com o enorme beneficio de mais cidadãos e cidadãs
participando da vida pública do país. A conjugação de partidos mais
vinculados ao povo e o maior peso do movimento social certamente
possuirá o poder de enfrentar a ideologia das classes dominantes de
criminalização da militância política, resultando em uma ampliação desta
militância, o que forjaria uma nova capacidade das forças democráticas
de levar a cabo as transformações mais profundas que estão pela frente.
Todas
as medidas mencionadas que compõe uma reforma política democrática,
somadas, contribuirão também para o enfraquecimento de um aspecto muito
nocivo à consolidação de qualquer nação. Trata-se da ideologia liberal
de que o Estado é intrinsicamente corrupto e ineficiente. Em especial o
fim do financiamento de campanha por parte de empresas privadas, mas
também o fortalecimento dos Partidos e movimentos sociais poderá, com o
passar dos anos, trazer às claras que a corrupção deriva de um padrão de
relacionamento entre poder público e capital privado nocivo aos
interesses nacionais. Poderão também demonstrar que as prioridades dos
governos e sua eficiência derivam dos interesses das classes e frações
de classes que dirigem o bloco no poder em cada período histórico.
Cabe
ressaltar que somente o curso da batalha política será capaz de
anunciar se teremos uma reforma política democrática, pois do outro lado
há os que preparam uma contrarreforma que mais retroceda que avance ou
que passe ao largo das questões centrais. Vale mencionar também que não
se trata de estabelecer um ranking das Reformas e colocar a reforma
política no topo. Foi o processo político vivido nos últimos anos e sua
radicalização nos últimos meses que forjaram as condições para que neste
momento a reforma que toma o centro do palco, polarizando todas as
forças políticas e assumindo lugar de destaque nas falas da Presidenta
reeleita, seja a reforma política.
Ganhar tempo no front econômico e redobrar o vigor para a realização da Reforma Política Como
foi dito no inicio deste texto, o primeiro governo Dilma tomou
importantes medidas no caminho de uma nova estratégia de
desenvolvimento. Acontece que o fator tempo é decisivo para o sucesso
das medidas tomadas. O caso dos investimentos em infraestrutura é
emblemático. Entre 2015 e 2017, serão investidos nada menos que R$ 300
bilhões nos projetos de infraestrutura [8]. Serão R$ 93,3 bilhões em
2015, R$ 102 bilhões em 2016 e R$103,9 bilhões em 2017.
Esses
valores se dividem entre investimentos rodovias, ferrovias, aeroportos,
portos, geração e transmissão de energia e telecomunicações. Se forem
incluídos os investimentos 2014, o total investido se aproxima de R$ 400
bilhões. Esses valores ainda estão subestimados, pois não incluem as
obras de saneamento básico e mobilidade urbana realizadas pelos governos
estaduais e prefeituras.
Levará alguns anos para que seja
realizado todo o potencial de criação de encadeamentos produtivos que
estes investimentos possuem. Outra variável estratégica impactada é a
produtividade da economia. Quanto mais obras forem sendo concluídas,
maior será a redução de custos e tempo no transporte de mercadorias
entre o local de produção e comercialização. Os primeiros efeitos deste
grande volume de investimentos serão sentidos no próximo governo Dilma,
em especial na geração de empregos diretos e indiretos. O mesmo pode ser
dito a respeito dos projetos de investimentos financiados nos últimos
anos pelo BNDES.
A desvalorização cambial que já teria passado os
25% no acumulado dos últimos três anos também não se traduzirá em um
ciclo generalizado e simultâneo de ampliação das exportações, isto leva
tempo. Primeiramente porque a alta valorização do real nos anos
anteriores ao inicio da desvalorização faz com que a resposta dos
exportadores fique mais lenta, pois estes perderam posições no período
de real sobrevalorizado. Em segundo lugar, os setores industriais se
encontram em posições diferentes em relação à sua capacidade de reação
ao câmbio desvalorizado. Em terceiro lugar, a previsibilidade da
trajetória futura da taxa de câmbio se torna mais relevante para a
decisão de produção que o seu próprio nível, em um momento de muita
flutuação [9]. A conclusão das obras de infraestrutura é outra variável
relevante para a retomada das exportações.
Na área fiscal,
intensamente atacada no ultimo período, o segundo governo Dilma terá que
tomar medidas que, sem prejuízo dos projetos de investimento e das
conquistas sociais alcançadas até aqui, busquem reduzir o gasto público.
A
própria Presidenta tem mencionado o seguro-desemprego como uma área em
que é preciso reduzir gastos. De 2012 para 2013 houve um aumento de
13,8% nas despesas com este item. De janeiro a setembro deste ano houve
um aumento de 14,8% em relação ao mesmo período do ano passado [10], o
que pode levar a um gasto de quase R$ 50 bilhões neste ano. Este
crescimento dos gastos com seguro-desemprego acontecem no momento em que
o país atinge os menores índices de desemprego de sua história,
chegando a 4,7% em outubro último [11]. Outra área que precisará de
ajustes é a pensão por morte, também admitido pela presidenta [12], que
chega a consumir 3% do PIB.
A redução destes gastos e de outras
despesas que a presidenta menciona de forma inespecífica como
“desajustadas” contribuirão para diminuir o bombardeio sobre a política
fiscal do governo, especialmente aqueles vindos do mercado financeiro, e
também poderá abrir espaço para uma nova trajetória de redução da taxa
básica de juros.
Em síntese, as medidas econômicas tomadas pelo
primeiro governo Dilma e as medidas que se anunciam para o inicio do
próximo mandato precisam de tempo para surtir efeito. Não é o momento de
uma nova rodada de enfrentamentos no campo econômico e sim de
consolidação das medidas tomadas para adentrarmos em um novo ciclo de
crescimento econômico e assim conquistarmos mais aliados para uma
posterior nova etapa de avanços. A reaproximação com o setor produtivo é
ponto determinante para o êxito da empreitada e o governo já sinaliza
neste rumo [13].
No front especificamente político, todavia, o
embate com o bloco conservador exige energias redobradas. Como dito
acima, a disputa política alcançou novos e mais elevados patamares e não
retornará a um nível inferior. As contradições no seio da sociedade
brasileira estão mais expostas. O bloco conservador perdeu as eleições,
mas não tem demonstrado que perdeu o ímpeto para sabotar e paralisar o
governo como tática política.
A importância da Reforma Política
como forma de aprofundar nossa Democracia e assim reduzir os espaços
para o golpismo tem ficado ainda mais evidente nos acontecimentos
pós-eleitorais. O pedido do PSDB de auditoria do resultado eleitoral; a
participação de Aloísio Nunes, candidato à vice-presidente na chapa
derrotada de Aécio Neves, em manifestação de rua ultrarreacionária; a
distribuição da relatoria das contas de campanha da Presidenta Dilma ao
expoente do bloco conservador no Judiciário, Gilmar Mendes, inclusive
questionado pelo Ministério Público; e a manobra do PSDB e da Imprensa
de Direita em colocar a operação Lava-Jato em direção de Lula e Dilma
transmite o recado, claro como água, de que a interrupção do governo
esta no horizonte estratégico do bloco conservador. A Operação
Lava-Jato, especificamente, realiza o maior desmonte já visto do sistema
de financiamento privado das campanhas eleitorais.
A saída para
esta situação é o aprofundamento da Democracia brasileira. A Reforma
Política emergiu durante a campanha eleitoral como o instrumento capaz
de mobilizar a sociedade por uma vigilância democrática. O momento,
portanto, exige das forças políticas e setores sociais avançados que não
se percam na disputa do formato da Reforma Política – se Constituinte
Exclusiva, Plebiscito ou Projeto de Lei de Iniciativa Popular – e sim
que se concentrem em como combinar, nas ruas e no Estado, todas as
formas de lutas coletivas por mais direitos civis, sociais, econômicos,
mobilidade urbana e manifestações de cultura popular em torno da
compreensão que somente um novo sistema politico será capaz de abrir
caminho a todas estas conquistas. Esta tática poderá ter efeitos
decisivos sobre qual Reforma Política prevalecerá, mas também
contribuirá para a vigilância democrática necessária aos dias que
correm.
O novo ciclo político aberto com o acirramento destas
eleições não está imune a retrocessos, por isso a constituição de um
amplo campo de Esquerda e forças democráticas é imprescindível para que
se realizem todas as esperanças que brotaram em nosso país nos últimos
meses. Produzir esta síntese entre as diversas reivindicações que
ganharam lastro social nos últimos anos e a necessidade de um novo
sistema político é a prova de fogo das forças dirigentes deste campo de
Esquerda que dá apenas seus primeiros passos.
(*) Diogo Santos
é Graduando em Economia pela UFMG, membro da Sessão Mineira da Fundação
Maurício Grabois e Membro da Comissão Política do PCdoB em Minas.Notas[1] Portal do BNDES: Disponível em:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Relacao_Com_Investidores/Desempenho/#desembolso
[13] PERES, Bruno. Planalto busca reaproximação com empresários. Valor Econômico. Brasília, 19 nov, 2014. Disponível em: