¿HÉROE O VILLANO?

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miércoles, julio 13, 2016

Do trabalho pesado ao futebol: Europa discrimina, mas precisa dos imigrantes

Título de Portugal na Europa pós-Brexit contou com gol de jogador de Guiné-Bissau

Jornal do BrasilPamela Mascarenhas
O título da Eurocopa 2016 conquistado por Portugal neste final de semana, com uma equipe formada em grande parte por imigrantes, ajudou a reforçar o debate sobre a relação destes com os europeus, e mesmo sobre a legitimidade do espírito nacionalista que envolve essas conquistas esportivas. O futebol português tem uma grande dívida com imigrantes e ex-colonizados. O moçambicano Eusébio, por exemplo, foi o grande líder da seleção portuguesa que conseguiu chegar à semifinal da Copa do Mundo em 1966, contra a Inglaterra.
Quando Cristiano Ronaldo, nascido na portuguesa Madeira, dedicou a vitória deste domingo (10) aos portugueses e imigrantes, seu discurso se alinhou ao debate fortalecido depois que o colega Éder, nascido na ex-colônia Guiné-Bissau, na África, fez o gol da vitória contra uma França também amparada por Pogba, filho de um casal de Guiné. Dos 23 campeões portugueses, nove nasceram em outros países. Além de Guiné-Bissau, há atletas de Cabo Verde, Angola e até França, Alemanha e Brasil.
Éder, herói de Portugal, nasceu na África
Éder, herói de Portugal, nasceu na África
Portugal tem uma relação histórica específica com imigrantes, mas a dependência da mão de obra destes se assemelha à vista em outros países europeus -- o que não é diferente em relação ao futebol. O vínculo sempre esteve ali ao longo das últimas décadas, mas nunca garantiu que tal necessidade impedisse que um sentimento de repulsa viesse junto. Apenas no final de semana após a aprovação do Brexit, o Reino Unido registrou mais de cem casos de xenofobia, de acordo com o jornal Independent, entre insultos e crimes de ódio.
"A Europa tem uma rejeição, um racismo, mas ao mesmo tempo precisa dos imigrantes, que têm um papel muito importante no continente, principalmente os das ex-colônias. Esses países, Portugal, França, Bélgica, Inglaterra, eles hoje em dia são obrigados a receber imigrantes, em parte porque alguns têm direito, mas muitos também porque a Europa precisa desse trabalho. O fato de serem esportistas profissionais facilita que eles obtenham o visto", destacou Helion Póvoa Neto, professor do IPPUR-UFRJ, onde coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios [NIEM], em conversa com o Jornal do Brasil por telefone.
Póvoa Neto explica que "os imigrantes são discriminados, mas necessários". Eles atendem às necessidades do mercado de trabalho europeu, principalmente em relação às funções que oferecem os piores salários e menor prestígio. Por outro lado, surgem espaços para exceções como as vistas no futebol e na música, e imigrantes se tornam ídolos entre demais imigrantes e descendentes de imigrantes, mas também entre os europeus. 
Em muitos países da Europa, a taxa de mortalidade é superior à natalidade. Trata-se de um continente em processo de envelhecimento, ressalta Póvoa Neto. Existe uma necessidade de trabalhadores jovens, e os imigrantes atendem a isso. 
Portugal conta com muitos imigrantes de ex-colônias na África -- Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique. Nos anos 1960, com muitos portugueses emigrando do país, o país precisou trazer imigrantes para fazer o trabalho pesado, e os primeiros, ressalta o professor Póvoa Neto, foram principalmente cabo-verdianos e guineenses.   
"Portugal não era um país de imigrantes, mas principalmente de emigrantes. Mandava muitas pessoas para o Brasil, Venezuela, Canadá Estados Unidos, e também para outros países na Europa, como França, Alemanha, Suíça", explica o professor. 
Quando acabou a ditadura, em 1975, com a Revolução dos Cravos, as colônias ficaram livres e Portugal começou a receber os portugueses brancos retornados -- alguns tinham nascido em Portugal mas muitos eram das colônias. As antigas colônias ficaram independentes, o que facilitou acordos para a entrada da população desses países. 
Ao mesmo tempo, pessoas negras que eram das colônias -- Cabo Verde e Guiné-Bissau, e também Angola e Moçambique -- foram se integrando. Eles têm direitos, mas são muito discriminados, situação parecida com a dos negros no Brasil. 
"No futebol, muitos jogadores têm origem nessas ex-colônias. Assim como Portugal precisava de mão de obra na construção civil, no comércio, também precisava muito no futebol, o que não é uma exclusividade de Portugal. Vários países europeus seguem este mesmo exemplo, como a própria França, que tem grande parte dos seus jogadores descendentes de africanos e árabes, como o Zidane, que era argelino -- caso parecido desse jogador de Portugal. A Holanda também tem muitos jogadores das ex-colônias, assim como a Bélgica", acrescentou o professor Póvoa Neto.

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