La
sábana amarilla
“Mamá, este es mi amigo Joel”. A
senhor magra combinava olhos inteligentes com um sorriso zonzoroso, mantido
todo o tempo em que estive em sua casa. Ao jantar, conheci o marido: alto,
espaçoso, advogado endinheirado, sócio do River Plate; incapaz de levar
desaforo pra casa, contava entre suas façanhas ter apresentado a cidade a
Waldir de Souza, o Didi, campeão do mundo em 58. Antonio Moles mal me apertou a
mão abriu seu estoque de piadas obscenas, tão velhas que já não ruborizavam a mulher,
Titi. Não observei que ela tinha o mesmo apelido da personagem de A relíquia,
que considerava obscena a natureza por ter criado dois sexos ao invés de um.
Eu estava fascinado pelas
garrafas verdes de sifão. Por que a chamavam de soda? Era soda, de verdade ou
água comum convertida pelo artefato? Comi bem, vencendo a cerimônia. Na sala
havia uma cristaleira, um janelão para a rua, uns retratos ovais de avós – o
homem, sósia do Barão do Rio Branco, a mulher de leque no colo, cara de Carlota
Joaquina. Na hora do licor e do café, Antonio Moles abriu a janela para fumar
charuto, talvez oferecesse ao filho. Fazia o calor úmido que torna o verão
portenho irmão do de New Orleans, tão diferente do de Dakar, que vem do
deserto.
Vindo de carro de
Santiago, eu estava cansado. Titi se antecipou ao filho, me indicou o quarto de
hóspedes, o pequeno banheiro, talvez tenha aberto um instante a janela que dava
para os fundos. “Fique à vontade”. Seu ar sempre sonso – ela ensinava história
da arte – funcionava como controlador de situações, como a do marido obsceno.
Vi que a cama não tinha
lençol. Meu amigo me levou ao seu quarto, mostrou livros, conversamos
ninharias, me prometeu passeios. Titi reapareceu: “Su pieza está arreglada.
Pase quando quiera”. Então, quando me recolhi, vi que a cama tinha lençol
amarelo.
Conheci Alfredo Moles em
Santiago de Chile, talvez em julho, certamente em 1964.
Vindo do exílio triste na
Bolívia, passei por Mendoza, Argentina, antes de chegar a Santiago. Ali conheci
uma louça esmaltada parecida com a que tinha meu avô como única riqueza – ele
fora lixeiro no Rio de 1940 e duvido que a tenha comprado. Em Santiago o rádio
berrava sem parar uma canção ao estilo Rita Pavone, eu imaginava uma
adolescente de soquete, gorro, pintada, girando a cabecinha como liquidificador
Walita. “Qué va a cantar?”, “Estelita, pues”.
No Estádio Nacional, hoje
Victor Jara, jogavam um quadrangular, Santos, River, Universidad Católica e
Seleção Tcheca. No fim de uma partida, um grupo de exilados desceu ao vestiário
do time brasileiro. Anísio Teixeira olhou Pelé, Lima, Durval no banho e disse
uma frase de pensador: “Vocês são helenos e não sabem”.
Se Pelé não tivesse
jogado, o melhor do torneio seria Masopust, levemente atarracado como Maradona,
conduzindo a bola da defesa ao ataque, como Sívori ou Zizinho. Na fila de
ingresso para River x Santos, troquei umas palavras com um rapaz de terno de
linho branco, sem gravata. Dias depois o encontrei numa discussão de exilados.
Anos depois, no Doi-Codi, em São Paulo, esperaria ansiosamente que Alfredo
Moles não chegasse, ou melhor, que não o trouxessem.
Quando o reencontrei, depois de 20 anos, me contou que
a mãe não me dera lençóis brancos por uma razão estética
1 comentario:
Minha mae amaba o arte y como Joel era criollo,deu pra ele lençol amarello fazendo jogo
oje lembrei do criollo,meu grande amigo,morte este ano e chorei.
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