Por que o Brasil deu errado?
Do Opera Mundi
A explicação genérica seria simples: a burguesia brasileira, cuja origem remonta à fusão entre o regime escravocrata e o colonialismo, somente prosperou, entre outras chagas, com base na superexploração do trabalho, na dependência imperialista, na sobrevivência do latifúndio e no atropelo às liberdades democráticas. Esse mecanismo de acumulação capitalista gerou uma nação brutalmente desigual, uma terra sem direitos, um país excludente e de joelhos frente às potências capitalistas, um Estado oligárquico e uma gigantesca massa de excluídos.
Claro, esse Brasil injusto e cruel deu certo para suas elites e parte das camadas medias, frações sociais que estão entre as mais endinheiradas do planeta, mas deu profundamente errado para a maioria do povo.
Mas há outras razões, além das condições objetivas narradas acima.
A principal delas, de natureza histórica, reside na ausência de força e vontade política, nos momentos decisivos de nossa história, de optar pelo caminho da ruptura, da destruição da antiga ordem, como pressuposto para a emergência de uma nova sociedade.
A América hispânica derrotou o colonialismo através das guerras de inspiração bolivariana, expulsando o poder metropolitano e fundando um novo Estado. No Brasil, a libertação veio pelo transformismo de parte da família real portuguesa, que reordenou o arcabouço político quando o sistema colonial passou a ser um obstáculo à formação primária do capitalismo brasileiro.
São apenas dois exemplos, das dezenas que poderiam ser citados, que demonstram a enorme capacidade de auto-reforma das classes dominantes brasileiras de várias épocas, ao mesmo tempo em que revelam a incapacidade das forças populares, nos mais distintos momentos, de fazer como em outras plagas e jogar as velhas elites ao mar.
A cultura política da conciliação, da revolução passiva e da mudança por cima não é apenas um artefato criado e controlado pelos de cima, mas também a fôrma principal do pensamento e da ação progressistas.
No Brasil não há rupturas, mas sobreposições e adaptações. Salvo quando os de baixo ameaçam se revoltar contra esse modelo: nessas raras horas em que tal fenômeno ocorreu, a última delas em 1964, a resposta foi sangrenta, através de implacável contra-revolução preventiva.
O PT nasceu, entre outros motivos, mesmo confusamente, para superar essa cultura da conciliação, que havia contaminado boa parte da esquerda pré-petista, a começar pelo velho PCB pós-1958, até o final dos anos 70 a principal organização do campo popular.
Acabou, no entanto, tragado pelo sistema que engendrou a geringonça brasileira: um processo permanente e lampedusiano pelo qual algo sempre tem que mudar para tudo ficar como está.
A derrubada do governo Dilma despertou parte considerável do petismo e do conjunto da esquerda para a tragédia política que representa, aos trabalhadores, essa lógica subalterna. Mesmo quando funciona a curto prazo, em condições especiais, a médio e longo prazo historicamente só produz derrotas.
Na base dessa cultura, no campo progressista, entre outros elementos, está uma leitura torta sobre o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, que enxerga como anomalias exatamente os fatores que são sua essência virtuosa no que diz respeito aos interesses dos grandes proprietários dos meios de produção. Repetindo: a superexploração do trabalho, a dependência frente ao imperialismo, a manutenção do latifúndio – e mais modernamente a financeirização do capital.
Esperanças de que algum setor relevante da burguesia viesse a ter motivação para violar sua própria lógica acumulativa sempre levaram ao sacrifício da independência de classe e ao atraso na constituição dos trabalhadores como uma força protagonista capaz de lutar pela hegemonia sobre o Estado e a sociedade.
Tudo isso o PT já sabia no final dos anos 80 e tais convicções o ajudaram a ter uma pujança que jamais a esquerda brasileira possuiu. Aos trancos e barrancos, agora vive o desafio de reencontrar o fio da meada perdida.
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